domingo, 29 de março de 2009

The Reader

Não sei se já tiveram esta sensação mas, às vezes, quando na obscura atmosfera mística de uma sala de cinema, nas cadeiras em que muitos já sentaram as alegrias, frustrações, as decisões acerca do imediato, deixando a vida em suspenso pelos breves momentos em que é projectado um fime, há uma espécie de viagem intemporal que fazemos sem nos apercebermos. Há filmes que nos absorvem de tal forma e tão inesperadamente que flutuamos pelos seus mágicos frames, abandonando as nossas identidades, transitoriamente, até ao grande final, quando estranhamente a aterragem pode ser até dolorosa pela frieza com que nos entrega de novo à vida real.
"The Reader" é um dos filmes que me permitiu esse desprendimento. Absolutamente divinal, esta obra de Stephen Daldry (realizador do "The Hours" e "Billy Eliot"), que conta com o magnífico desempenho de 3 excelentes actores (Kate Winslet, Ralph Fiennes e David Kross), a partir do livro de Bernhard Schlink. Não tenho a pretensão de sequer comentar os aspectos técnicos ou tentar elaborar uma crítica cinematográfica, que não estou habilitado a fazer, mas fica apenas o testemunho de uma sensação de profunda admiração e satisfação que, nos dias que correm e face à tendência para se ser arrastado para o turbilhão do mainstream e comercial, é cada vez mais difícil de encontrar. Vão por mim... não percam este filme.

sábado, 21 de março de 2009

quarta-feira, 18 de março de 2009

Deolinda

Nada mais oportuno que escrever um post sobre o álbum com que me deito e levanto há já algumas semanas - "Canção ao lado" dos/da Deolinda. A meu ver um CD extraordinário, fazendo jus ao que de mais criativo e fresco tem emergido da música portuguesa contemporânea. Bem consistente com a imagem de Deolinda, uma rapariga com " idade suficiente para saber que a vida não é tão fácil como parece, solteira de amores, casada com desamores, natural de Lisboa, que habita um rés-do-chão algures nos subúrbios da capital" e "compõe as suas canções a olhar por entre as cortinas da janela, inspirada pelos discos de grafonola da avó e pela vida dos vizinhos". Por entre músicas como "Eu tenho um melro", "Lisboa não é a cidade perfeita" ou "Clandestino", para mencionar apenas algumas, vamos redescobrindo, por entre um véu trágico-cómico, que sabe ou quer descolar-se do Fado tradicional, um sentimento quente e reconfortante do que é ser-se português. De forma despretenciosa, que desenterra empaticamente alguns elementos kitch numa combinação deliciosa com o "bairrismo luso", o álbum "Canção ao Lado" é uma visão inocente e emocional mas não ingénua das coisas da vida quotidiana, observadas de um simples parapeito. Talvez viciante mas, por certo, imperdível.

terça-feira, 17 de março de 2009

Esthesia

Um vídeo realizado por Hugo Trindade (na altura interno de Anestesiologia do CH LX Central) e dotado de uma crueza que normalmente se esconde por detrás do nosso instintivo entusiasmo. Uma visão soberba do nosso dia-a-dia, emoldurada por uma realização cuidada e uma banda sonora meticulosamente escolhida. A não perder...

domingo, 8 de março de 2009

Hydropsis

Chove dentro de mim. Chove em intermitências de uma atroz tristeza intercaladas por períodos de nebulosa desorientação em que também El-rei se perdeu um dia e para sempre, noutras vidas, travando outras batalhas... Sou como um recipiente vazio, enchendo-se de uma pluviosa e monótona bátega que, em tempo de Primavera, dilacera os pequenos rebentos que pareciam fazer adivinhar uma esperança de vida nos ramos secos e resistentes ao duro Inverno exasperante. A água deposita-se lentamente; chega-me aos pés e faz-me sentir nela o frio gélido de um tempo que pensava já ter passado mas que teima, no entanto, em ficar; quando me molha o ventre, as pernas não se movem mais e qualquer esforço inútil de mobilização traz consigo um arrepiante sentimento de pétrea solidão. Mas... eis que chove mais um pouco... e a opressão é já de tal forma insuportável que todas as articulações, estáticas como se feitas de granito e corroídas por um atrito de feldspato e mica, me impedem de reagir. O peito não se expande, esperando só, numa aspiração aflitiva, o preenchimento lento e torturante de cada um dos alvéolos que traz dentro de si.
Dissolvo-me como um torrão de amargo açúcar, imerso na infusão lúgubre de uma tempestade inesperada; denso de mim, desmaterializado em essência. Parte do resto mas só, bebido de um trago enquanto sabor acessório…
Não deixa de ser verdade, porém, que a solidão mora dentro de nós…preenche-nos, invade-nos e presenteia-nos ao Mundo ainda que encapsulados por dentro, como uma crisálida em clausura fora do casulo. As suas asas crescem, dotando-a da capacidade de voar, mas as pétalas de flores que hão de vir jamais sentirão o peso ínfimo da sua aterragem sublime.