terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Doce Irrequietude

Este fim-de-tarde saíste mais cedo do que esperava... Anoitece já. As folhas das árvores que avisto da janela movem-se no amargo e nebuloso breu da tua ausência com uma inquietação que parece emanar do meu peito. Eu, quedo e mudo, estático elemento desprezível, permaneço como um ponto imóvel no continuum espacio-temporal de um Mundo que se mexe em seu torno. Mantenho os pulmões cheios de um ar rarefeito, a meio da inspiração em que partiste, como se não mais precisasse de respirar, como se necessitasse antes da tua presença singela para viver.
Acontece-me isto, agora, quando não sinto o contacto da tua pele, aquele deslizar aveludado sob as pontas dos meus dedos sempre que desenho, com o tacto apurado, os contornos da tua face na minha mente, numa tentativa desesperada de te manter comigo quando não te vejo.
Ah! Doce veneno esse, o do amor. Uma gotícula apenas e, numa sucumbência implosiva, todo um desmoronar de muralhas erguidas dentro de nós para lhe resistir... assim, sem batalhas valorosas, sem escudo invisível contra as flechas de Eros, sem feridas de guerra para curar com míticos unguentos de verbena. Enfim, uma ociosa liquefação do Eu em puro prazer, numa poção de espagíria alquímica, cujos secretos ingredientes circulam nas nervuras de caules, folhas e flores que crescem no nosso íntimo, sem que até então nos apercebamos da sua sublime fragrância.
Levas contigo, quando se fecha a porta, a minha serenidade, como uma fortuita corrente de ar quente que se escapa pela fresta para o frio dessa tarde-quase-noite de Inverno-sempre.
Porque vais? - pergunto-me, num eco desesperado do vazio que deixas no meu âmago. Que vida é essa que existe lá fora, onde a terra é apenas terra, o Sol não brilha mais, e o ar levaste-mo tu, deixando-me apenas uma sede não de água, mas de ti e que não mato no deserto da tua desvanecência?
Fica... outra palavra não me ocorre. Quatro letras que levitam no suspenso vazio da fonética interrompida, enquanto o olhar meu suplica por uma hesitação súbita nos passos decididos que te levam para longe; enquanto a saudade se adensa, como um nevoeiro espesso que me torna cego nessa frieza colóide que me separa de ti.
É a incerteza que me torna mais e mais pequeno dentro de mim mesmo; que me sufoca à falta de tácita confirmação de que somos um; que me lança despudoradamente nessa outrora imponderável ignomínia.
Mas... vem... doce irrequietude de silhueta onírica, envergando o teu vestido de mulher. Traz os teus beijos de licor de sonhos, a ternura do teu regaço, a leveza algodonosa e alva das tuas palavras poucas e toma-me como me entrego agora. Vulnerável, enamorado de ti, despido de argumentos para me não dissolver nesse delicioso calor de perenes promessas a cumprir - antes que a barreira se erga de novo, construída em nome de intempéries que não surgirão nunca, na esperança subversiva de proteger uma cidadela que assim se manterá indefinidamente intocável.