domingo, 8 de março de 2009

Hydropsis

Chove dentro de mim. Chove em intermitências de uma atroz tristeza intercaladas por períodos de nebulosa desorientação em que também El-rei se perdeu um dia e para sempre, noutras vidas, travando outras batalhas... Sou como um recipiente vazio, enchendo-se de uma pluviosa e monótona bátega que, em tempo de Primavera, dilacera os pequenos rebentos que pareciam fazer adivinhar uma esperança de vida nos ramos secos e resistentes ao duro Inverno exasperante. A água deposita-se lentamente; chega-me aos pés e faz-me sentir nela o frio gélido de um tempo que pensava já ter passado mas que teima, no entanto, em ficar; quando me molha o ventre, as pernas não se movem mais e qualquer esforço inútil de mobilização traz consigo um arrepiante sentimento de pétrea solidão. Mas... eis que chove mais um pouco... e a opressão é já de tal forma insuportável que todas as articulações, estáticas como se feitas de granito e corroídas por um atrito de feldspato e mica, me impedem de reagir. O peito não se expande, esperando só, numa aspiração aflitiva, o preenchimento lento e torturante de cada um dos alvéolos que traz dentro de si.
Dissolvo-me como um torrão de amargo açúcar, imerso na infusão lúgubre de uma tempestade inesperada; denso de mim, desmaterializado em essência. Parte do resto mas só, bebido de um trago enquanto sabor acessório…
Não deixa de ser verdade, porém, que a solidão mora dentro de nós…preenche-nos, invade-nos e presenteia-nos ao Mundo ainda que encapsulados por dentro, como uma crisálida em clausura fora do casulo. As suas asas crescem, dotando-a da capacidade de voar, mas as pétalas de flores que hão de vir jamais sentirão o peso ínfimo da sua aterragem sublime.