domingo, 22 de fevereiro de 2009

O todo e o vazio em mim

Há, por vezes, uma fome em nós que não se cura com o alimento orgânico que levamos à boca em resposta a um qualquer instinto animal transitório, a uma necessidade fisiológica… Sim, sente-se um vazio diferente que de tão forte se palpa quase, que de tão pesado nos verga sob a sua pressão indomável, tão açambarcador que nos arrasta para o centro do seu vórtice como que numa inspiração profunda; um vazio que nos esvazia num ciclo vicioso de aniquilação descontrolada.
De tão aflitivo e envolvente, é este domínio desabitado, quase viciante em si mesmo, levando-nos ao sabor do infortúnio por águas profundas e desconhecidas do nosso ser emocional como se navegássemos num mar de lágrimas do nosso próprio choro mudo, sem bombordo, sem destino.
Mas como nas folhas de um livro, existe sempre uma página do outro lado… no seu papel de um imaculado branco, traçadas em pigmentos brilhantes derramados pela mão de um fado desconhecido, se encontra um todo cuja plenitude metafísica sacia até o mais ávido e sôfrego famélico, que o preenche na sua indubitável falta de qualquer coisa, na companhia de uma solidão há muito só.
É curioso, de facto, que, de repente, numa voz terna e quente que transporta no seu timbre toda a beleza da vida, encontremos a parte de nós que não sabíamos que se havia perdido no caminho da nossa existência auto-centrada. Os nossos olhos abrem-se de novo e recebem nas suas retinas as marcas de fogo dos raios de luz reflectidos de uma pele de cândida porcelana; o verde telúrico de duas íris que nos nutrem de uma doce seiva inebriante; o escarlate de uma boca que traça no vazio o mais belo e divinal dos sorrisos. É curioso que na delicadeza alva de gestos perdidos seja a deslocação do ar o bastante para nos envolver e abraçar com o deleite melífluo e caloroso que apenas o amor reserva para nós.
Um beijo e um beijo só, que nos faça perder e encontrar na espiral vertiginosa daquilo que não enxergamos em nós.

3 comentários:

Luciano Rodrigues disse...

Tá bonito tá.

Daniel C.da Silva disse...

Por vezes um simples abraço...

LittleLonelyGirl disse...

você está escrevendo sobre... mim?
(Com excessão da ultima parte, apartir dos olhos, ou um pouco antes...)